Para Fábio Cassab, sócio da EXEC, o excesso de trabalho ou de cobranças (inclusive a de si próprio), lideranças mal preparadas, ambientes nocivos – somadas a todas as outras questões sociais que vivemos, podem influenciar no alto índice de casos de síndrome de Burnout, depressão e ansiedade
O mundo corporativo viveu grandes transformações nos últimos anos. A ocorrência de doenças mentais nesse ambiente aumentou consideravelmente, principalmente com a pandemia. Como exemplo, podemos citar a alta incidência de problemas como a síndrome de burnout, que, em fevereiro deste ano, acometeu mais de 40% de mais de 10 mil profissionais ao redor do mundo – maior índice desde maio de 2021 – de acordo com dados da Future Form. O Brasil é o segundo país com mais casos diagnosticados, ficando atrás somente do Japão, segundo informações da International Stress Management Association (Isma).
Casos de ansiedade e depressão também são relevantes no Brasil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 264 milhões de pessoas sofrem de depressão e ansiedade, causando perdas de mais de U$1 trilhão na economia mundial anualmente. Esse prejuízo impacta não somente no bolso dos países, mas também na própria carreira dos executivos e seus liderados.
Fábio Cassab, sócio da EXEC, empresa especializada na seleção e desenvolvimento de lideranças, diz que lidar com a saúde mental de todos sempre foi um grande desafio. Os ambientes de trabalho, que consomem grande parte do nosso dia a dia e da nossa atenção, tem grande relevância nesse tema. “As pessoas estão desempenhando múltiplas atividades, com funções que vão se acumulando em um único cargo, a auto cobrança e a cobrança do próprio ambiente se acumulam com o mundo cada vez mais integrado, conectado e competitivo. Somado a isso, temos todo o universo social que nos acompanha, que integra nossas funções de pais, filhos, amigos. Temos sonhos, ambições, problemas, dificuldades e é inevitável que alguns de nós tenhamos uma estafa, um momento onde nosso corpo pede para desacelerar ou até mesmo parar”.
O executivo conta que ele mesmo passou por essa situação há dois anos “Hoje fica mais fácil ter uma avaliação mais clara do que aconteceu. Eu estava no piloto automático, com dedicação de 1.000% para a parte profissional e não desligava. A família, os amigos e a vida social eram sempre deixadas de lado. Até que sinais do corpo que eu estava negligenciando, como problemas no sono, de memória e concentração, dores diversas e constantes começaram a ficar cada vez mais evidentes e um acontecimento familiar foi o estopim para desencadear uma forte depressão”.
Foram três meses completamente desconectados do mundo e, após um longo tratamento e um profundo mergulho nesse assunto, Fábio passou a entender essas questões de uma forma diferente e levou isso para o seu trabalho. “Antes de mais nada, precisamos superar duas grandes barreiras importantes: A primeira é que uma parte relevante das pessoas ainda acham que estão livres ou imunes de problemas emocionais . A segunda é, muito evidente que estamos falando de um tema precedido por muito preconceito. Muitas vezes assumir essa doença, sugere fragilidade, vergonha.
Transportando essas duas barreiras para 2023, encontramos uma variável ainda mais perigosa. Onde nos vemos constantemente tentando seguir, alcançar ou copiar padrões potencializados pelo mundo perfeito das redes sociais. É preciso, urgentemente, repensarmos essa forma de viver e nos valorizarmos”.
O sócio da EXEC destaca ainda que é importante respeitar as nossas diferenças . “Há muitos caminhos para se tornar um executivo produtivo, bem sucedido ou estimular suas equipes a serem assim. As empresas precisam investir em programas que valorizem a diversidade de ideias, incluindo a valorização dos estilos de ser dos profissionais”.
A psicóloga Tania Andref diz que atualmente o mundo corporativo é dividido entre empresas que se preocupam com a saúde mental de seus times e outras que negligenciam esse aspecto. “É preciso ter um olhar atento e humanizado, preparando os líderes para terem uma postura voltada para a empatia, ou seja, se importar com a saúde mental de seus profissionais. Treinamentos e conversas são boas alternativas para isso”.
Busca de ajuda
Um dos grandes problemas enfrentados nas empresas quando o assunto envolve a saúde mental é, em primeiro lugar, aceitar que algo está errado. “O profissional acometido por uma depressão, ansiedade crônica ou Burnout não quer assumir que ele precisa de ajuda médica para poder se cuidar, equilibrar o organismo, alcançando calma e paz para retomar a vida normal”, explica Tania. Por trás disso, segundo ela, há um certo preconceito em admitir que, muitas vezes, vai ter que recorrer a uma medicação específica para controlar o problema.
Outra questão diz respeito a se abrir sobre o que está acontecendo com a liderança. Uma pesquisa feita pela Capita destacou que 49% dos entrevistados não acham que seu líder imediato saiba o que fazer se souberem de um problema de saúde mental de profissionais de seus times. “Há líderes que não estão muito preparados para identificar esses cenários e acolher seus liderados. Muitas vezes eles são bastante preparados tecnicamente e detém grande conhecimento, mas não tem habilidade de gerir pessoas, o que faz com que muita gente não os procure para contar o que está acontecendo de fato com sua saúde mental. Há um forte medo de que alguma retaliação seja feita, como demissão, julgamentos por parte dos colegas, entre outros”, destaca Tania.
Não é incomum encontrar ambientes corporativos com certo nível de nocividade, seja pela cultura ou pela própria liderança que pouco entende como ele impacta negativamente esse cenário, principalmente em posições mais elevadas.
A velocidade de chegada de novos líderes ao mercado está cada vez mais acelerada, com profissionais ainda com pouca experiência assumindo a gestão de times em ambientes complexos em um momento no qual há uma “juniorização” de profissionais em cadeiras de comando, principalmente estimulados pelo forte crescimento das startups, conforme análise do executivo da EXEC.
Trabalho pode não ser a raiz do problema
Fábio ressalta que muitas vezes o problema de saúde mental não está ligado ao excesso de cobranças, cargas pesadas de trabalho ou algo relacionado ao ambiente corporativo exclusivamente. Mas pode também estar relacionado a questões da vida pessoal e social do executivo. “Há muita gente que está vivendo situações em outras esferas da vida: na família, no casamento, de adaptação à vida em uma nova cidade, de saúde, entre tantos cenários, que podem ser integralmente responsáveis ou parte relevante de crises de depressão.”, avalia.
Dicas para identificar e lidar com problemas de saúde mental no trabalho
Tania Andref e Fábio Cassab elencaram cinco dicas para ajudar os executivos e seus liderados a identificar sinais de problemas com a saúde mental e como resolvê-los.
1. Preste atenção se você está sentindo uma constante falta de motivação, energia, ausência de felicidade em conviver com as pessoas no ambiente corporativo e na execução das tarefas.
2. Observe a ocorrência frequente de alguns sintomas, como ausência de apetite, dificuldade para dormir, coração acelerado, dores no corpo, entre outros. “Se você não se cuidar, o corpo faz você parar”, ressalta Tania.
3. Escute as pessoas ao seu redor. “Quando você não se sente bem, as pessoas do seu convívio afetivo te sinalizam que algo não está bem. O que acontece é que muitas vezes estamos negando o que está acontecendo pela falta de preparo de enfrentar o problema”, diz Fábio.
4. Busque ajuda especializada. “Ao ser acometido por um problema de saúde mental como um Burnout, por exemplo, dificilmente você conseguirá sair sozinho disso. Procure a ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. Não tenha medo de aceitar a necessidade de fazer terapia ou ter que tomar medicamentos por algum tempo.
5. Não se cobre ao extremo. “Tente ter clareza da direção que quer dar a sua vida, tente colocar pesos coerentes em cada atitude, cada decisão, cada obstáculo que o levará até lá. Perceba o que tem controle e pode ter como interferir e o que é impossível controlar. E busque equilíbrio.”, reforça Fábio.
O executivo da EXEC conclui fazendo um paralelo dos objetivos perseguidos pelos profissionais há 30 anos e os atuais. “Antigamente, era muito comum sermos cobrados ou incentivados a construir uma carreira, ter um bom emprego, um bom salário, trabalhar em uma boa empresa. Situações mais “perseguíveis” e concretas. Hoje em dia, a pauta tem sido diferente: seja feliz ou tenha propósito. Nos parece algo mais difícil de perseguir e até conquistar, principalmente de forma que se sustente” , conclui.