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Olimpíadas: substantivo feminino!

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O que aprendemos com as Olimpíadas de Paris?

 

Que este é o maior espetáculo da Terra, já sabíamos! As Olimpíadas tiveram origem na cidade de Olímpia em 776 a.C., por isso, recebem esse nome. Na Antiguidade, as Olimpíadas consistiam em competições que abrangiam modalidades como atletismo, pugilato, pentatlo, corrida de bigas e pancrácio.

Realizadas entre atletas das cidades-estado da Grécia, as Olimpíadas tinham como intuito homenagear os deuses gregos e propagar a paz entre as cidades do país.

Nessa época, somente os homens participavam e assistiam aos jogos, no qual o vencedor recebia uma coroa de louro ou de folhas de oliveira.

Na Era Moderna, a retomada dos jogos olímpicos veio com o pedagogo francês Pierre de Coubertin com o objetivo de buscar a paz entre as nações. Acreditando nessa possibilidade cria em 1984, o Comitê Olímpico Internacional (COI).

Os Jogos de Londres foram os primeiros em que as mulheres competiram em todos os esportes do programa, incluindo o boxe feminino. Desde 1991, qualquer novo esporte que deseje entrar no programa olímpico deve ter competições femininas, conforme determina o COI. Pela primeira vez, em 33 anos, tivemos exatamente o mesmo número de mulheres e de homens nas competições, e o Brasil teve pela primeira vez a delegação feminina como maioria: 153 mulheres e 124 homens.

Aprendemos com as Olímpiadas de Paris que podemos e devemos ocupar a cidade! Pela primeira vez, na história dos jogos, a cerimônia sai dos ginásios e ganha a cena urbana, às margens do Sena. E a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, prometeu e cumpriu: mergulhou no Sena para atestar a qualidade da água, ainda que com roupa de mergulho, nadou com o rosto na água.

Paris entregou uma cerimônia de abertura com maestria! Apesar de muitos terem achado cafona, longa e chata, o que Paris nos ofereceu foi uma “aula” de história, moda, diversidade, urbanismo, sustentabilidade, inclusão, política e arte! E, sim, estamos falando de um país colonizador e que, talvez, tenha tentado fazer uma “mea culpa”.

A cerimônia teve vários pontos altos, como o mascarado levando a tocha pelos icônicos telhados de Paris e executando manobras de parkour; a norte-americana Lady Gaga cantando em francês; a cantora negra Axelle Saint-Cirel cantando o hino; o barco dos refugiados, composto de 36 atletas que tiveram que ir embora de seus países de origem e que não representavam nenhuma nação; a volta triunfal de Celine Dion; e a inauguração de 10 estátuas de mulheres notáveis da história e que ficarão de legado para a cidade (Simone de Beauvoir, Simone Veil, Olympe de Gouges, Alice Milliat, Gisèle Halimi,  Paulette Nardal, Jeanne Barret, Louise Michel, Christine de Pizan e Alice Guy). Paris, que tem uma tradição estatuária, contempla 260 estátuas de figuras masculinas contra apenas 40 estátuas de mulheres. É a história sendo reatualizada e o reconhecimento de importantes figuras femininas que foram apagadas ao longo do tempo.

Por outro lado, a intervenção artística que celebrava novos talentos da moda francesa tornou-se alvo de  ataques à DJ Barbara Butch, ativista feminista e protagonista da cena com drag queens, na cerimônia de abertura dos jogos olímpicos, duramente criticada por religiosos e políticos de extrema direita por acharem ter sido uma alusão à santa ceia, o que a direção artística do evento nega, enfatizando que a intenção era realizar uma grande festa pagã ligada aos deuses do Olimpo. O que demonstra o quanto alguns religiosos e determinados políticos temem a Arte como ferramenta de revolução e transformação de dogmas.

Nós somos o pódio! 

País do futebol? Ainda? Somos o país do skate, da ginástica olímpica, do surfe, do vôlei, do judô, do boxe… As mulheres brilharam nessas Olimpíadas, especialmente as brasileiras! No mar, no solo e no campo. Somos, pela primeira vez, as protagonistas no pódio: dos 13 pódios, nove são de mulheres.

Está passando da hora dos patrocinadores e grandes marcas voltarem mais os olhos às atletas mulheres que deram um show de sororidade, espírito esportivo, solidariedade e garra não só brigando pelas medalhas em suas modalidades, mas fora das quadras também.

O governo brasileiro incentiva o desporto através de várias leis e programas, incluindo a Lei de Incentivo ao Esporte (LIE), a Bolsa-Atleta e a Lei Paulista de Incentivo ao Esporte, mas até pelas dimensões continentais do nosso país, esses incentivos não chegam para todos. Estamos longe de ser uma potência como a China e os Estados Unidos.

E por falar em governo, que leitura fazer quando uma publicação (já apagada) para falar sobre inclusão digital retira Rebeca Andrade (no lugar é colocado um computador) e mantém as atletas americanas, Simone Biles e Jordan Chiles, fazendo à reverência ao computador e não mais à gigante Rebeca Andrade?

Equívoco? Mal gosto? Como nomear? Ou, mais uma vez, ainda que não intencional, uma tentativa de apagar e excluir, nos colocando mais uma vez na posição de colonizados? Será que para incluir, é preciso excluir? Uma foto que já se tornou símbolo no mundo todo, com três mulheres negras no pódio e as duas americanas reverenciando a brasileira melhor do mundo? Mandaram muito mal mesmo! Será que os responsáveis pela comunicação do governo ainda não se deram conta do gigantismo e do que representa a atleta Rebeca Andrade hoje? Ou ainda essas pessoas (provavelmente e não por acaso homens) ainda são norteadas pelo patriarcado e, por isso, cada vez mais, devemos lutar para ressignificar as relações de poder entre homens e mulheres?

O que aprendemos e vivemos com essas atletas mulheres geniais nessas Olimpíadas? Que quando uma mulher se machuca, a outra a carrega no colo. Foi o que fez Tamires Araújo, da seleção de handebol, ao carregar a adversária Albertina Kassoma, da Angola.

Aprendemos que para o esporte não há fronteiras, a camaronesa Cindy Ngamba fez história ao tornar-se a primeira atleta refugiada a ganhar uma medalha no boxe.

Aprendemos que devemos voltar os olhos para o Congo e toda a violência que assola o país e seu povo quando a boxeadora Marcela Sakobi (que não levou uma medalha), mas que com seu gesto simbólico (de colocar a mão na frente da boca e apontar os dois dedos para a cabeça) manda uma mensagem para todo o mundo.

Aprendemos que o preconceito e a desinformação provocam dor ao assistirmos o ódio contra a atleta Imane Khelif, boxeadora argelina, intersexo, que foi apontada como transexual ou “homem biológico”, uma violência cruel e usada para a propagação de fake News por políticos bolsonaristas aqui no nosso país.

Que triste ver uma atleta, a italiana Angela Carini, se recusar a cumprimentar Imane Khelif ao se retirar do ringue. Algumas mulheres precisam aprender mais sobre empatia, sororidade e acolhimento, dentro e fora dos ringues.

O drama da velocista Flávia Maria de Lima que teme perder a guarda da filha por ter ido às Olímpiadas por estar em uma batalha judicial com o marido. Nunca um homem foi acusado de abandonar um filho por ter ido a uma Olimpíada! Devemos discutir mais sobre maternidade e parentalidade.

Aprendemos que cuidar da saúde mental e respeitar os limites do corpo é fundamental, não só para atingir grandes performances como atletas de alto rendimento, mas para nos mantermos saudáveis e vivas!

Escrevo esta coluna, hoje, 7 de agosto, dia em que a Lei Maria da Penha completa 18 anos, o diploma legal mais importante de prevenção e proteção contra a violência contra as mulheres do país e considerada uma das mais avançadas no mundo. A violência de gênero ainda é uma triste realidade, sobretudo contra as mulheres negras, e precisamos mudar isso não naturalizando a violência contra as mulheres. E essa é uma responsabilidade do Estado e da sociedade.

As Olimpíadas nos ensinam que precisamos agradecer e reverenciar outras mulheres! MUITO, MUITO OBRIGADA!!! às atletas incríveis, às nossas brasileiras: Rebeca Andrade e o time da ginástica olímpica, à seleção brasileira de futebol feminino (Marta se despede, mas deixa um legado), a boxeadora Beatriz Ferreira, as judocas Bia Souza e Larissa Pimenta, a surfista Tatiana Weston-Webb, a skatista Rayssa Leal, as meninas do vôlei, do handebol, a incansável Ana Sátila, da canoagem.

E que venha Los Angeles 2028!

Fotos; Fotos: Google/Instagram

 

Patrizia Corsetto é jornalista, radialista e psicanalista e

assina a coluna de cultura semanalmente.

 

 

 

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