O governo chinês tem funcionários na empresa holding do TikTok, a ByteDance, controlando-a? E será que o armazenamento de dados do popular aplicativo fora da China é capaz de proteger os usuários americanos?
Estas questões parecem dominar o pensamento atual nos EUA sobre a possibilidade de proibir o TikTok se a sua proprietária, a gigante tecnológica chinesa ByteDance, se recusar a vender a plataforma .
Mas na minha opinião – formada ao longo de 40 anos como estudioso da China, da sua economia política e dos seus negócios – as duas questões obscurecem um ponto mais importante. Além disso, sugerem uma falta de entendimento crucial sobre a relação entre o Estado e as empresas privadas na China.
Simplificando, não existe uma linha clara entre o Estado e a sociedade na China, da mesma forma que existe nas democracias. O Partido Comunista Chinês – sinônimo de Estado chinês – é ao mesmo tempo dono e é a nação.
E isso vale também para as empresas privadas. Funcionam como joint ventures nas quais o governo é ao mesmo tempo parceiro e chefe supremo. Ambos os lados sabem disso – mesmo que essa relação não seja expressamente percebida e reconhecível por observadores externos.
Controle chinês do TikTok e os EUA
Tomando-se o caso da ByteDance: a empresa tornou-se o foco de escrutínio nos EUA, em grande parte devido à influência descomunal que a sua subsidiária desempenha na vida dos jovens americanos .
Cerca de 170 milhões de americanos são usuários do TikTok, e os políticos dos EUA temem que seus dados façam um caminho direto rumo ao estado chinês pir meio da ByteDance, que tem sede em Pequim.
Deixando de lado a localização geográfica, vozes preocupadas nos EUA citam evidências de ex-funcionários da ByteDance que sugerem interferência do governo chinês e relatam que o estado assumiu discretamente uma participação direta e um assento no conselho da Beijing ByteDance Technology Co. .
Questionado pelo Comitê de Energia e Comércio da Câmara em março de 2023, o CEO da TikTok, Shou Zi Chew, disse com toda a certeza que a ByteDance não era “um agente da China ou de qualquer outro país”.
Contudo, a história das relações do governo chinês com empresas privadas sugere algo mais sutil.
A ascensão da ‘China Inc.’
Ao longo da sua história centenária, o Partido Comunista Chinês tem procurado exercer controle sobre todos os aspectos do país, incluindo a sua economia.
No início, este controle assumiu a forma de uma economia comandada com mão pesada , em que tudo era produzido e consumido de acordo com o planejamento governamental.
A China adotou uma direção mais capitalista na segunda metade do século 20, após a morte de Mao Tsé-Tung, fundador da República Popular da China. Mas mesmo as reformas de Deng Xiaoping no final dos anos 1970 e 1980 – creditadas como tendo aberto a economia da China – estiveram a serviço dos objetivos do partido.
Como a economia da China estava em ruínas, a ênfase do partido estava no desenvolvimento econômico, e ele afrouxou o seu controle sobre o poder para encorajar isso. Mas a continuidade do controle partidário ainda era fundamental – bastava reformar a economia para garantir esse objetivo.
Isso não significava que o partido quisesse o pluralismo. Após décadas de crescimento econômico, e com um PIB superior ao dos EUA quando medido pela paridade do poder de compra , o governo chinês começou mais uma vez a mudar o seu foco para um controle abrangente da China.
Nos últimos anos, sob o controle cada vez mais centralizado de Xi Jinping , o governo chinês optou evidentemente por gerir todo o país como uma corporação gigante , com o partido no poder atuando como seu gestor.
Um partido com poder incomum
Ao contrário dos partidos políticos nas democracias, onde as pessoas se afiliam e saem livremente, o Partido Comunista Chinês assemelha-se a uma sociedade secreta.
Para aderir, é preciso ser apresentado por dois membros da agremiação e ser testado por um longo período, e então prometer morrer pela causa do partido. Desistir também precisa da aprovação do partido . As ordens são implícitas. Proteger o superior é crucial.
Pessoas que não cooperam enfrentam sérias consequências. Em 2022, um funcionário alertou um residente que desobedeceu à ordem de um funcionário nos testes da COVID-19 que três gerações de seus descendentes seriam adversamente afetadas se ele não cooperasse.
O mesmo se aplica às empresas: a empresa de transporte compartilhado Didi provocou o descontentamento do partido ao oferecer suas ações em bolsa de valores nos EUA e, como resultado, foi duramente punida e forçada a voltar atrás – perdendo mais de 80% do seu valor .
Uma vez que aqueles que desobedecem ao partido são eliminados ou são punidos e vistos como tendo aprendido as suas lições, todas as empresas privadas sobreviventes e bem sucedidas são apoiadoras do partido – quer voluntariamente ou não.
Empresários no alvo do governo chinês
O rápido surgimento da China Inc. pegou desprevenidos até mesmo empresários chineses experientes. Foi o caso de Sun Dawu , um empresário agrícola de sucesso conhecido por defender a reforma rural e os direitos dos agricultores.
Isso ofendeu o partido e, em 2020, as autoridades confiscaram todos os seus bens e condenaram-no a 18 anos de prisão.
Como se isso não bastasse, a Lei Nacional de Inteligência da China concedeu amplos poderes às agências de espionagem do país e obriga as empresas a ajudar nos esforços de inteligência.
É por isso que alguns legisladores americanos estão preocupados com a possibilidade de a ByteDance ser forçada a entregar os dados privados dos americanos ao estado chinês.
O TikTok nega que seja esse o caso. No entanto, arquivos vazados recentemente da I-Soon, uma empresa de hackers chinesa, revelam que o conluio público-privado no compartilhamento de dados é comum na China.
Segurança dos dados do TikTok fora de território chinês
É por isso que não estou convencido pelo argumento do TikTok de que os dados dos usuários americanos são seguros porque são armazenados fora da China – nos EUA, na Malásia e em Singapura.
Também não creio que seja relevante se o partido tem membros no conselho da ByteDance ou dá ordens explícitas ao TikTok.
Independentemente de a ByteDance ter vínculos formais com o partido, haverá o entendimento tácito de que a gestão está trabalhando para dois patrões: os investidores da empresa e – mais importante – seus supervisores políticos que representam o partido.
Mas o mais importante é que quando os interesses dos dois chefes entram em conflito, o partido triunfa.
Sendo assim, enquanto a ByteDance for proprietária do TikTok, acredito que ela usará a plataforma para apoiar o partido – não apenas para a sobrevivência do seu próprio negócio, mas para a segurança dos funcionários da ByteDance e do TikTok – e das suas famílias.
Shaomin Li é acadêmico e professor de negócios internacionais na Old Dominion University (Norfolk, EUA), onde atua como presidente do Departamento de Gestão, dedicando-se a estudos sobre a China, economia política internacional e negócios. Seus trabalhos foram publicados na Harvard Business Review, no Wall Street Journal, no Financial Times, no Economist e no New York Times. Seus livros mais recentes são “Suborno e Corrupção em Ambientes Institucionais Fracos” e “A Ascensão da China, Inc.: Como o Partido Comunista Chinês Transformou a China em uma Corporação Gigante”, ambos publicados pela Cambridge University Press.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
Créditos: Redação MediaTalks